Após ser sancionado Marco Regulatório da Biodiversidade aguarda regulamentação

- Regulamentação será fundamental para saber se a lei terá, na prática, o seu espírito de simplificação mantido;
- Empresas e cientistas não precisam mais de autorização prévia do CEGEN para dar inícío as pesquisas de campo;
- Repartição de benefícios com as comunidades será feito À partir do momento em que o produto estiver no mercado;
- Empresas estrangeiras tem o acesso permitido  eas amostras para desenvolvimento de pesquisas poderão der enviadas ao exterior



A presidente Dilma Rousseff sancionou no último dia 20 de maio, a Lei que define o novo marco legal da biodiversidade. O dispositivo define o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade e entrará em vigor no final de novembro deste ano. O objetivo da matéria é desburocratizar o processo e estimular o desenvolvimento sustentável. O novo texto substitui uma medida provisória de 2000, alvo de constantes reclamações da comunidade científica e empresarial pela falta de regras claras e que suscitaram pesadas multas contra diversas empresas.

Dono da maior biodiversidade do mundo, o Brasil pode se transformar em uma potência em bioeconomia. Só no mercado compreendido pela biotecnologia industrial, que engloba setores como os de cosméticos e o farmacêutico, a expectativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de que até 2030, sejam movimentados, no mundo, 300 bilhões de euros (mais de um trilhão de reais, pelo câmbio atual). “Temos condições para ganhar a corrida na área da biotecnologia e fazer a diferença na geração de conhecimento, emprego e renda”, afirmou a mandatária durante a cerimônia.

Pesquisa facilitada
Para a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, a simplificação do acesso ao patrimônio genético é o grande destaque da Lei. “Será reduzida a burocracia para o desenvolvimento de novos produtos. A biodiversidade começará a ser vista como ativo estratégico do desenvolvimento econômico”, explicou. 

Com o advento do novo marco, as empresas nacionais podem realizar um cadastro via internet e iniciar os trabalhos de pesquisa com maior agilidade, o que incentiva a diversificação dos estudos até então realizados e permite que novas pesquisas sejam iniciadas.

O acordo de repartição de benefícios, que concede o direito de participação nos resultados com as comunidades fornecedoras do conhecimento, é obrigatório para a exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo, proveniente de acesso ao conhecimento tradicional associado. Mas, pela nova regra, os pesquisadores não precisarão desembolsar recursos financeiros enquanto fazem pesquisas em campo. O contrato de repartição de benefícios precisará ser firmado somente quando o produto estiver pronto, inserido no mercado e gerando lucros. 

Outra novidade é que as pesquisas envolvendo o patrimônio genético e o conhecimento tradicional associado não mais precisarão do aval do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, o CEGEN, um colegiado de caráter deliberativo presidido pelo Ministério do Meio Ambiente, que reúne outros 19 órgãos da administração pública federal e, que sempre foi fonte de constantes dores de cabeça para pesquisadores e indústrias. Agora, será necessário apenas a realização de um cadastro eletrônico para iniciar a pesquisa. A natureza desse cadastro, que será determinada durante a regulamentação da Lei, será fundamental para saber quão mais simples será o processo. 

Ganhos repartidos
A lei concede o direito às comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares de participar das decisões relacionadas à conservação e ao uso sustentável dos conhecimentos tradicionais, concedendo a eles cadeiras tanto no CEGEN como no Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB). As comunidades tradicionais são formadas por grupos como quilombolas, seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, pantaneiros, caatingueiros, entre outros, que somam cerca de 300 comunidades. 

O acordo de repartição de benefícios precisa ser apresentado pelas indústrias até 365 dias após o momento da notificação ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, o CEGEN, informando que o produto acabado ou do material reprodutivo será colocado no mercado. Pelo acordo, o usuário terá de depositar, no FNRB, 1% da renda líquida obtida com a venda do produto oriundo do patrimônio genético. 

Outra novidade é o uso do protocolo comunitário como forma de consentimento prévio. Segundo o governo esse documento oferece segurança jurídica aos povos e comunidades e estabelece, segundo seus usos, costumes e tradições, os mecanismos para autorizar o acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios. Com esse instrumento, a empresa que tenha interesse em acessar o conhecimento tradicional associado de origem identificável de um povo ou comunidade por meio de um protocolo como esse, passará a se submeter às regras expressas previamente nesse instrumento. No caso de exploração econômica de produto ou material reprodutivo originado de conhecimento tradicional associado de origem identificável, o depósito no FNRB será de 0,5% da receita líquida anual com a venda do item.

As microempresas, empresas de pequeno porte, microempreendedores individuais, agricultores familiares e suas cooperativas com receita bruta anual igual ou inferior a R$ 2,4 milhões estão isentos das obrigações estipuladas pela Lei.

Depois da sanção, falta regulamentar
O texto sancionado sofreu seis vetos da presidente, parte deles com o objetivo de eliminar a burocracia que seria criada por conta de parágrafos que apontavam para a necessidade de autorização ou o poder de fiscalização para diferentes órgãos governamentais, tornando mais burocrático um processo que se queria simplificar.

Não resta dúvida sobre a importância da aprovação do novo Marco regulatório. Mas também não se pode esquecer que muitos dos seus aspectos mais importantes ainda precisam de regulamentação, o que deixa aberta inúmeras possibilidades para que a lei possa ser de fato um grande avanço, ou, tornar a situação ainda mais complicada do que hoje. De acordo com a Confederação Nacional da Indústria há, pelo menos, 25 pontos da lei que precisam ser regulamentados. Entre os principais estão o formato do cadastro – que pode simplificar ou travar todos os processos, dependendo da sua complexidade e da infraestrutura disponibilizada –, o sistema de gestão para acesso ao patrimônio genético e os acordos setoriais para a pesquisa. 

A simplificação de regras e processos será determinante para incentivar empresas e instituições a investirem na prospecção e em inovações com recursos da biodiversidade. Se a regulamentação confirmar na prática o espírito da lei, o de simplificar o acesso, indústria como a de cosméticos e a farmacêutica terão grandes incentivos para aplicar recursos em pesquisas relacionadas à biodiversidade. Uma das empresas mais tradicionais no campo dos ingredientes da biodiversidade brasileira para a indústria de beleza, a brasileira Beraca mantinha um portfólio de novidades prontas para ir ao mercado e que aguardavam apenas a aprovação do novo marco regulatório da Biodiversidade. “Estamos totalmente alinhados com o que deve ser o acesso e a repartição de benefícios com a sociedade”, disse o presidente da empresa, Ulisses Sabará, em entrevista à Atualidade Cosmética em março deste ano. O Grupo FarmaBrasil – entidade que congrega nove empresas farmacêuticas de pesquisa brasileira, diz que a nova lei destrava já este ano projetos que somam R$ 270 milhões e que aguardavam uma definição do novo quadro legal. Para 2016, as farmacêuticas de capital nacional já têm programados outros R$ 60 milhões em investimentos para a produção de medicamentos a partir de plantas medicinais encontradas no território brasileiro “São trabalhos para o desenvolvimento de drogas inéditas, com a realização de pesquisas a partir do zero”, informa o presidente da entidade Reginaldo Arcuri. 

Participação estrangeira
Um ponto que sempre gera discussões acaloradas quando o assunto é acesso à biodiversidade brasileira, é a liberação para que estrangeiros façam uso dessa riqueza local. A lei recém-sancionada, a um só tempo regula e facilita o acesso ao patrimônio genético por empresas estrangeiras. Tal acesso não pode se dar de maneira direta por uma pessoa física estrangeira, mas, por meio de um simples cadastro, uma empresa sediada no exterior pode acessar o patrimônio genético nacional e o conhecimento tradicional, desde que em parceria com uma instituição de pesquisa pública ou privada brasileira. Caso não disponha de um parceiro local, a empresa estrangeira interessada em acessar a biodiversidade brasileira precisa solicitar a emissão de autorização prévia. 

Ao mesmo tempo, o marco regulatório viabilizou também o envio de amostras ao exterior para fins de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico, o que permitirá a pesquisadores e empresas brasileiras acessar laboratórios de ponta ao redor do mundo para avançar com suas pesquisas. 
Mas, segundo a advogada e especialista em Direito Ambiental, Mariana Gmach Philippi, do Buzaglo Dantas Advogados, ao descartar qualquer preferência pela realização de tais estudos em território nacional, contraria, inclusive, as determinações contidas na Convenção Internacional de Biodiversidade, um acordo de 1992 do qual o Brasil é signatário e ao qual a nova lei brasileira busca adequação Em artigo, a especialista acredita que se “desperdiçou uma excelente oportunidade de fomentar o desenvolvimento tecnológico brasileiro, colocando-se o país, novamente, em uma posição de submissão e dependência em relação às nações consideradas desenvolvidas”.

Multas e fiscalização
As infrações contra o patrimônio genético e o conhecimento tradicional serão fiscalizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e pelo Comando da Marinha do Brasil, no caso de área marítima. As multas contra as pessoas jurídicas que infringirem a Lei vão de R$ 10 mil até R$ 10 milhões, uma disparidade que assusta até porque não se sabe ainda quais os parâmetros para determinar os valores.

Um dos vetos da presidente eliminou a possibilidade de que produtos cujas pesquisas foram iniciadas antes de 29 de junho de 2000 (data da edição da primeira legislação sobre o tema), deixem de recolher os devidos royalties. Apenas os produtos que tiverem sido lançados no mercado anteriormente a esta data terão tal benefício, restringir a possibilidade de isenção.

Um aspecto positivo é que o novo marco possibilita a regularização de quem se encontram em desconformidade com a legislação anterior à nova Lei, isentando-os assim de possíveis sanções. Um alento frente a pesada carga de burocracia que existia na legislação anterior, o que acabou colocando muitas empresas na “ilegalidade”.

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