Casas de fragrâncias e sustentabilidade: Atenção permanente

A sustentabilidade desempenha papel cada vez mais fundamental na cadeia de abastecimento das grandes casas de fragrâncias globais

 
Garantir o fornecimento de matérias-primas é uma questão básica para indústrias de qualquer setor da economia. Mas o nível de complexidade da cadeia de abastecimento varia enormemente de segmento para segmento. No casa da indústria de aromas e fragrâncias, ela é gigantesca pela própria natureza do negócio. Se uma única composição olfativa pode ter mais de uma centena de diferentes ingredientes, é possível imaginar a paleta de ingredientes necessária para atender à demanda por composições originais para centenas de clientes de diferentes portes e segmentos ao redor do mundo.

As maiores companhias do setor trabalham com mais de dez mil referências diferentes. Na média, mil desses ingredientes respondem por mais de 80% das compras realizadas. É um número considerável, especialmente quando se leva em conta que a ausência de apenas um desses ingredientes pode alterar totalmente – ou, em casos extremos, inviabilizar a produção. Por isso, as casas olham com tanta atenção para essa parte – menos visível e glamourosa do mercado – com mais atenção do que nunca.

Mas simplesmente lidar com essa quantidade de referências está longe de ser o maior desafio para as casas. A origem desses ingredientes é o que torna a cadeia mais complexa. “Aproximadamente metade dos materiais comprados são naturais e a outra metade sintéticos ou químicos”, explica João de Paulo, diretor Comercial de fragrâncias funcionais da companhia norte-americana IFF. A empresa, assim como a maior parte das casas, produz uma fatia bastante relevante dos ingredientes sintéticos que usa em suas composições.

Derivados de petróleo estão sujeitos às intempéries do mercado e variáveis diversas, como a situação geopolítica dos principais produtores do mundo até a demanda por combustíveis fósseis e o impacto de novas fontes de energia. Nesse particular, há anos a situação não era tão favorável, especialmente por conta do uso de petróleo e gás de xisto, nos Estados Unidos, que tem contribuído para derrubar o preço da energia consumida nas indústrias de lá e, consequentemente, a pressão sobre o preço do barril. Ainda assim, a busca por alternativas renováveis na paleta de ingredientes da perfumaria nunca foi tão intensa. Ela tem como premissa a origem com a perenidade da cadeia de abastecimento. A IFF, dentro de todas as suas estratégias de abastecimento, mantém uma preocupação com a segurança e viabilidade econômica de sua cadeia. Afinal, mesmo que a pressão por preços esteja em um momento favorável, o petróleo ainda é uma matéria-prima não renovável. Quanto tempo os estoques vão durar ainda é algo incerto, ao contrário da sua finitude, tão certa quanto a própria morte. E não existe produto mais caro para uma empresa do que aquele que deixa de ser vendido.

E aí é que entra a sustentabilidade. A busca por uma cadeia de abastecimento mais sustentável é um objetivo permanente da indústria de fragrâncias. Na casa alemã Symrise, a busca por ingredientes de origem renovável é uma área de pesquisa global e uma plataforma alinhada à missão da Symrise, que tem a sustentabilidade integrada à origem da companhia.

Nesse momento, todas as casas mantêm trabalhos de desenvolvimento nesse sentido, boa parte deles concentrado na Amrys, uma empresa de biotecnologia norte-americana, com uma forte operação de P&D no Brasil, que pesquisa ingredientes à base de cana de açúcar que possam substituir os ingredientes sintéticos derivados de petróleo. O impacto desses substitutos deve ser o de uma cadeia de ingredientes aromáticos sintéticos mais previsíveis do ponto de vista de custo e mais sustentável do ponto de vista da produção.

De olho na origem
Se a preocupação com a sustentabilidade nos ingredientes sintéticos é tão grande, é possível imaginar a complexidade com as operações que envolvem a outra metade da paleta: a dos ingredientes naturais. Como a cadeia de abastecimento do setor é altamente globalizada, uma quantidade relevante desses ingredientes é obtida a partir de plantações e pequenas comunidades agrícolas localizadas em países pobres ou em desenvolvimento, onde a agricultura nem sempre é tão avançada, padronizada e produtiva, como nos países desenvolvidos. Nesses casos, a preocupação com a sustentabilidade é ainda maior.

A Firmenich, centenária casa de fragrâncias e aromas suíça, busca entender os desafios locais e ambientais para encontrar as soluções sustentáveis mais apropriadas. Um bom exemplo disso é o trabalho que a casa está realizando com o vetiver, no Haiti – o país mais pobre das Américas. A empresa tem comprado o óleo de vetiver de agricultores locais há décadas. No início de 2010, ela firmou uma parceria com a entidade Clinton Global, do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, para trabalhar com pequenos agricultores no país para desenvolver uma produção sustentável deste óleo. “Os agricultores de vetiver que eu conheci no Haiti me deram a oportunidade de complementar suas habilidades artesanais com tecnologia moderna”, explica o CEO da casa, Patrick Firmenich.

“O trabalho de desenvolvimento de fornecedores possui um padrão e coordenação global, porém com atuações locais de forma bastante profunda”, conta a embaixadora de sustentabilidade da Symrise, Edna Mendes. A executiva lembra que a empresa foi a primeira casa de fragrância membro da UEBT (Union for Ethical BioTrade), associação internacional que promove práticas de abastecimento de forma sustentável, com desenvolvimento local e conservação da biodiversidade.
Já a também suíça Givaudan se concentra na fonte de suas matérias-primas. Isso envolve uma gestão de grande complexidade e também a busca na fonte de ingredientes únicos de forma sustentável e ética em todo o mundo. “Precisamos garantir hoje o fornecimento de ingredientes preciosos como ylang-ylang e baunilha, mas também garantir que esses ingredientes naturais únicos estejam disponíveis para perfumistas e aromistas e clientes amanhã”, acredita a executiva Helen Augusto, responsável pela área de sustentabilidade na Givaudan. “Com 10 bilhões de pessoas estimadas para habitar o planeta até 2050, haverá demanda por terra para produzir alimentos e outras matérias-primas. Nossas equipes são muito ativas em enriquecer nossa paleta criativa e em diminuir a pegada ecológica, em contrapartida. Estamos participando em várias joint ventures que suportam este desenvolvimento. Em 2013, os nossos objetivos de obtenção de recursos sustentáveis foram acelerados através do AIM-PROGRESS, um programa de Fornecimento Responsável dedicado.”

Para antecipar desafios futuros de abastecimento que possam se apresentar, seja pela demanda crescente ou pela escassez de oferta de um determinado ingrediente, as casas têm sido proativas investindo para fortalecer suas áreas de análise de risco e – ao mesmo tempo o olhar mais de perto toda a cadeia de fornecimento desde a origem, garantindo o fornecimento de matérias-primas de qualidade consistente, respeitando prazos e com preços altamente competitivos e, claro, obtidas de maneira correta e sustentável. Os esforços de fornecimento responsável em algumas áreas por parte da Givaudan podem ser mais impactantes para a mudança, como a produção de óleo de palma ambientalmente sensível, que responde por apenas 0,01% do market share da produção. “Estamos trabalhando com quatro associações preocupadas com a produção de óleo de palma para ajudar a moldar o debate sobre a maior responsabilidade de fornecimento”, revela a executiva de sustentabilidade da empresa. A Firmenich espera que ao final de 2015, todo o óleo de palma usado pela empresa seja proveniente de fontes de cultivo sustentáveis.

Mesmo com todos esses cuidados, nenhuma empresa está imune a eventuais problemas de abastecimento. Aí, uma das alternativas é se apoiar na própria estrutura global da empresa, para obter as matérias-primas, mesmo que elas tenham de vir do outro lado do planeta. Foi o que fez a Symrise, que se apoiou nessa estrutura global para suprir necessidades pontuais. “Trabalhamos sempre de forma proativa, a fim de garantirmos uma boa disponibilidade de estoque de matérias-primas para a produção”, garante o diretor de supply chain da casa alemã, Sandro Utyiama. Afinal, como já foi dito, todas as matérias-primas são fundamentais já que a falta de qualquer uma delas impede a formulação do produto final.

Base da inovação
A sustentabilidade também está desempenhando um papel cada vez mais relevante na capacidade de inovar para encontrar novos ingredientes olfativos que podem enriquecer as paletas dos perfumistas.

Na indústria de fragrâncias, o foco na inovação ainda é permanente e prioritário. “Esse é o pilar que sustenta todas as estratégias de expansão ou diversificação da cadeia de abastecimento”, diz o diretor de operações da IFF, Everton Oliveira. “Continuamos fazendo bons progressos em biotecnologia, como é o caso de nossa parceria com a Amyris no desenvolvimento conjunto de novos ingredientes naturais, sustentáveis e de custos competitivos que devem se tornar excelentes alternativas num futuro próximo”, complementa João de Paula.

A Givaudan também tem a inovação um papel importante na busca de novas fontes e formas de obtenção de ingredientes usando biotecnologia. “Acreditamos que podemos lidar com a agenda da sustentabilidade através da utilização da biotecnologia para criar ingredientes inovadores que enriquecem a nossa paleta criativa de um lado, e pode diminuir a nossa pegada ecológica no outro”, conclui Helen.


Foto: Plantação de vetiver no Haiti: as casas de fragrâncias globais estão cada vez mais perto da origem das matérias-primas.
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