Elas querem mais

As consumidoras brasileiras estão cada vez mais próximas das fragrâncias internacionais, e essa relação de amor tem estabelecido novos parâmetros de perfumaria para as mulheres. Em todos os sentidos   


Nos últimos anos o Brasil mudou muito. E os hábitos de vida e de compra dos consumidores acompanharam essas mudanças. Não mais assombrados pelos fantasmas da inflação e do desemprego, os brasileiros agora respiram aliviados e carregam a leve sensação de estarem mais distantes das crises econômicas, que tanto castigaram o País nos últimos 50 anos. Com os índices de desemprego batendo a marca dos 5%, de acordo com dados do IBGE do início deste ano, os brasileiros tem mais dinheiro no bolso e crédito no comércio, o que os deixa, evidentemente, mais dispostos a gastar, embora a poupança venha se tornando um costume cada vez mais usual entre eles.
Com a economia pessoal mais robusta e controlada, vivemos, ainda, uma era bastante propícia nas relações com o câmbio, o que tem proporcionado um maior acesso a bens de consumo como computadores e smartphones. E, embora também a banda larga ainda não seja uma “brastemp” – vamos ter que brigar muito com as operadoras para isso –, nos últimos tempos, os brasileiros viram aumentar bastante o seu acesso à informação. E, não há segredo, esse é um dos fatores que mais vem influenciando, de maneira direta, sua decisão de compra. Explica-se: com mais informação e não mais tão fortemente orientados pelo preço, os consumidores demandam qualidade, sofisticação e glamour, tanto de seus canais de compra quanto de seus produtos.
“O mercado de dez anos atrás era bastante diferente em termos de opções, sendo que, atualmente, já oferece possibilidades premium e distintas para quem faz questão desses atributos. Uma padaria de hoje está muito longe do formato de uma padaria de uma década atrás. Aliás, ela não é mais uma padaria e, sim, uma boulangerie ou uma butique de pães. Os restaurantes não são mais restaurantes, são espaços gourmet, e por aí vai. Tudo evoluiu. E o consumidor vem acompanhando essa evolução, vendo tudo de uma meneira diferente”, destaca a consultora Cris Duarte, da MCF Consultoria, empresa especializada em mercado de luxo. Segundo ela, as novas práticas não ficam restritas somente aos canais de compra: “O consumidor, de uma forma geral, demanda de seus produtos mais sofisticação e qualidade, e não se importa em pagar mais por isso”, decreta.
O mercado de cosméticos, especificamente o de perfumaria, também é impactado por esse turbilhão de mudanças que atingem o País. Com o acesso das pessoas a bens e serviços antes restritos a uma pequena e endinheirada parcela da população – como, por exemplo, a TV a cabo, a internet banda larga e viagens internacionais, que hoje podem ser pagas em várias vezes no cartão de crédito – os brasileiros começaram a ter um acesso ainda maior ao mundo mágico da perfumaria internacional, com suas campanhas com os famosos e glamourosos atores hollywoodianos, frascos e embalagens exóticas e elegantes e fragrâncias finas.

Passar a conhecer e até mesmo a fazer parte desse maravilhoso e luxuoso universo, acabou não só sendo, reconhecidamente, um fator importante para a melhoria do nível da própria perfumaria nacional, como também acabou elevando o nível de exigência da consumidora brasileira. Flávia Motta, diretora de Marketing de Perfumaria Fina para a América Latina da casa de fragrância Givaudan, acredita que a maior presença das grandes marcas internacionais no mercado brasileiro acirra a concorrência com as tradicionais marcas locais, algo que ela enxerga como positivo, pois, de certa forma, faz com que a perfumaria brasileira concorra com elas numa órbita mais alta, estimulando-as a se reinventarem constantemente para continuar a tentar competir com elas em pé de igualdade. “Pelo segundo ano consecutivo, o Brasil conquistou o título de o maior mercado de perfumaria do mundo. Já temos volume de venda, só falta, agora, uma melhor cultura olfativa por parte do consumidor”, opina a executiva.

Sem perder a identidade
Sem bairrismos ingênuos, fato é que a presença crescente de marcas internacionais no País tem, de fato, redefinido os padrões de perfumaria entre os brasileiros. Só que isso, nem de longe signifca que a indústria local tenha perdido sua graça, ou vá, simplesmente, passar a copiar as marcas estrangeiras. A perfumaria brasileira é um dos mais dinâmicos segmentos do mercado cosmético do País, marcando forte presença nos portfólios de grandes empresas como Natura, Boticário, L’Acqua di Fiori e Água de Cheiro, que consolidaram sua presença na liderança da categoria e acabaram, ao longo dos anos, por conferir um semblante bem definido ao mercado brasileiro, bastante diferente do europeu e do norte-americano. Isso sem falar na sua perfeita adequação ao consumidor nacional. “As empresas locais não vão querer copiar os importados. O Brasil é dono de uma perfumaria maravilhosa, que vai ter, cada vez mais, sua identidade reforçada e ainda mais sofisticada,” defende Flávia Motta.
Com efeito, nossa perfumaria é única e de excelente qualidade, e hoje vive um período muito bom, sendo constantemente estimulada a se superar por uma consumidora que está sedenta por novidades mais bem “equipadas” em termos de conceitos e qualidade. É o que pensa Sul Chul Kim, o diretor da Opaque Parfums & Cosmétiques, enfatizando que as marcas nacionais têm investido muito para se igualarem às concorrentes internacionais. “A indústria local tem investido em matérias-prima, embalagens, visual, mídia... Enfim, aprendeu a ter uma visão panorâmica do negócio. Muitas marcas brasileiras têm, hoje, uma proposta e posicionamento tão bom quanto as marcas importadas”, sublinha.

Outro sinal de maturidade pode ser observado no campo dos caminhos olfativos, que as marcas nacionais vêm trilhando com mais ousadia, apostando em notas antes não tão comuns e, mais do que isso, que nem ao menos eram as preferidas pelas consumidoras de outrora. Um exemplo dado pela executiva da Givaudan são as nuances olfativas orientais, cuja utilização, antigamente, era rara entre os fabricantes brasileiros de perfumes. “Quem apostou nessa nova tendência, acabou criando fragrâncias que, hoje, figuram na lista das mais vendidas no Brasil, o que demonstra claramente que nossas consumidoras estão cada vez mais abertas ao novo e à fugas do convencional’, pontua.

De protagonista a coadjuvante
De olho nesses novos comportamentos do público, a indústria se aventura não somente em novos caminhos olfativos, como também na releitura dos antigos. Quem ressalta esse movimento é Daniela Cimati, diretora de Inovação da Jequiti, empresa que com apenas seis anos de existência já é um dos grandes nomes da venda direta no País. Como exemplo, ela cita as notas chipreadas, que chegaram a ser consideradas ultrapassadas, mas que estão retornando às composições perfumísticas totalmente repaginadas com uma mãozinha da tecnologia.

Entretanto, apesar de essa tendência estar se fortalecendo dentro das empresas, Daniela faz questão de evidenciar que ela está sendo gestada como um movimento do mercado, e não, propriamente, como fruto de um possível atendimento de novas demandas propostas pela consumidora. Ela e todos os outros profissionais consultados pela Atualidade Cosmética são categóricos ao afirmar que, apesar da entrada dos importados – e do maior contato das brasileiras com notas mais fortes, como as madeiras –, os florais ainda são os campeões de venda. “A chave do nosso sucesso é fazer com que a consumidora tenha qualidade e sofisticação, mas sempre em fragrâncias que sejam propícias à utilização no clima brasileiro. A Mahogany, por exemplo, tem obtido grande sucesso com suas fragrâncias florais, pois – embora sejam produtos que possuem duração e qualidade –, são perfumes mais frescos e mais em linha com nosso clima tropical”, explica Brian Drummond, gerente de Marketing da Mahogany.

Ainda segundo Brian, muitas consumidoras que compram e utilizam perfumes com notas mais pesadas e adequadas aos lugares com clima mais temperado, na maioria das vezes acabam sendo orientadas pelas marcas que as produzem a fazer uso delas, sendo que a fragrância acaba ficando em segundo plano, quase como um coadjuvante do perfume. “Os perfumes internacionais têm um perfil de fragrância mais ‘fechado’, rico em baunilhas e madeiras. São perfumes para climas frios, que acabam vendendo entre nós exatamente em função desse estímulo inadequado”, reforça.
   
Do diferente ao óbvio
Como parte essencial do conjunto, as embalagens não ficam de fora dessa fragrante nuvem de sofisticação que a perfumaria brasileira respira nos últimos anos. O mercado nacional está repleto de exemplos nos quais a embalagem, reconhecidamente, é um dos atributos que mais influenciam no aumento das vendas das fragrâncias. Lily Essence, d’O Boticário, e Una, a mais nova fragrância feminina da Natura, são dois produtos, que segundo Cris Duarte, possuem um posicionamento de embalagem e campanha muito voltados ao padrão internacional de fragrância.

Já a Mahogany já constrói um case de sucesso com a fragrância Jardin de Roses, recentemente introduzida em seu portfólio. A marca investiu pesado num frasco exclusivo em formato de coração, desenvolvido pelo renomado designer espanhol Juan Carlos Rustarazzo, e na aplicação da imagem de um belo jardim de rosas estampado por um processo de sublimação, de um quadro pintado exclusivamente para o perfume pela artista plástica brasileira Simone Campos.

Daniela, da Jequiti, explica que a marca de Silvio Santos também tem injetado recursos substanciais em embalagens com design mais sofisticado. Ela conta que os consumidores da marca gostam de um tipo de sofisticação bem tradicional, até um pouco óbvio, como a mistura da cor preta com elementos dourados. A executiva cita como um dos maiores sucessos da marca nesse segmento, a fragrância Royal Madeira, que possui uma embalagem quadrada e compacta, desenvolvida com vidro e madeira, e dona de um design clássico e refinado.

Novo diálogo com a consumidora
Como subproduto positivo da influência dos perfumes internacionais sobre as marcas nacionais, as campanhas e a forma como aquelas se relacionam com as consumidoras também evoluiu bastante ao longo da última década. Cris Duarte acredita que a principal e bem-vinda mudança reside no fato de que as peças publicitárias deixaram de somente informar os atributos da fragrância. “Antigamente, tínhamos uma comunicação toda pautada no produto. Assim, eu comunicava os atributos do meu produto e isso era suficiente”, diz a consultora. A grande falha nesse processo é que, apesar dos esforços e dos milhões gastos em propaganda, as consumidoras, na maioria das vezes, não se identificavam com o produto e, por isso, acabavam não se interessando pela fragrância.

Essa descoberta fez com que as empresas nacionais mudassem seu direcionamento, alinhando-o com a forma utilizada pelas grandes marcas de prestígio internacional para divulgar seus produtos. Em outras palavras, isso ensejou o início do desenvolvimento de peças que tentam vender um estilo de vida e em fazer com que o produto se encaixe em um contexto que faça sentido para a consumidora, algo que já era bastante explorado nas luxuosas campanhas das fragrâncias internacionais. “O diálogo da marca com o consumidor mudou. Ele não é mais: ‘Você está procurando alguma coisa?’, ele deve ser: ‘Me conta em que momento você vai usar o seu perfume?’. Isso muda tudo, pois eu posso trazer a consumidora para um universo lúdico, amplamente explorado pelas marcas de luxo, rico em cenários e histórias, que coloca as clientes num mundo mágico”, explica Cris.

Uma brasileira que já nasceu mergulhada nesse conceito de oferecer produtos direcionados pelos momentos femininos é a Eudora, marca criada pelo Grupo Boticário no final de 2010 para atuar no multicanal – venda direta, lojas físicas e e-commerce. De maneira bem intuitiva, a marca desenvolve produtos para mulheres em quatro momentos: “Casual”, “Descolada”, “Poderosa” e “Entre 4 Paredes”. Todos os desenvolvimentos são estrategicamente pensados para se encaixar num deles, desde a escolha dos caminhos olfativos (no caso das fragrâncias), passando pelo design de embalagem, e indo desembocar na produção das peças publicitárias. Dessa forma, a Eudora consegue não somente atender às necessidades de beleza dos diversos tipos de mulher, mas também se habilita a estar presente nos diversos instantes da vida feminina.

O braço cosmético da norte-americana Herbalife, que possui uma parceria com a espanhola Puig para o desenvolvimento de fragrâncias, também já nasceu com o intuito de não somente entregar produtos de qualidade, mas também de oferecer um estilo de vida. Jordan Rizetto, diretor de Marketing e Branding da empresa no Brasil, explica que todo o portfolio de cosméticos da marca foi desenvolvido com base nos ideais de saúde e bem-estar do negócio que é o coração da companhia: produtos nutricionais ideais não somente para quem quer perder peso, mas também para os que desejam ter hábitos mais saudáveis. “A opção da Herbalife sempre foi criar uma linha que tivesse um apelo muito voltado ao lifestyle. Ainda que seja uma empresa focada em nutrição baseada em ciência, ela fala muito em bem-estar, em estilo de vida. De certa maneira, a eleição do posicionamento por estilo de vida da marca, nas suas diferentes variações, tem a ver com a percepção da marca Herbalife”, destaca Jordan.

Parcerias com famosos
Outra tendência que aportou em terras brasileiras juntamente com as fragrâncias internacionais foi o uso de celebridades, seja pela via do licenciamento de imagem, seja para elas darem um rosto à marca e às suas fragrâncias nas campanhas publicitárias. O universo das celebridades remete o consumidor ao glamour e ao luxo, conceitos que estão intimamente ligados ao mundo da perfumaria. Essa ideia sempre foi pouco – para não dizer, nada – explorada pelas líderes do mercado brasileiro. Cris Duarte, da MCF Consultoria, acredita que marcas como a Natura e O Boticário nunca (no caso da primeira) ou pouco lançaram mão desse recurso, pois acreditam na força de suas marca junto aos consumidores, sendo que a união de um nome de uma celebridade a uma fragrância poderia criar uma polarização da marca com a personalidade.

Porém, apesar do posicionamento adotado pelas duas gigantes brasileiras dos perfumes, outras empresas têm trilhado o caminho das parcerias, e obtido bons resultados. Daniela, da Jequiti, afirma que a marca aposta bastante nas alianças com famosos, e acaba trabalhando com personalidades. Um dos grandes sucessos de seu portfolio de fragrâncias femininas é o perfume assinado pela apresentadora Adriane Galisteu. “A Adriane é uma personalidade glamourosa. Trouxemos essa sofisticação para o perfume, mas de forma bem dosada: ele é clean, mas traz o dourado e entrega o refinamento que a categoria pede. Tanto que ele foi um sucesso de vendas em 2012”, destaca a diretora.

A mineira Água de Cheiro também tem investido nas parcerias com famosos para conquistar as consumidoras. Além de produtos no portfólio assinados pelo cantor Luan Santana e por Sabrina Sato, a marca acaba de lançar uma edição limitada e comemorativa da fragrância Attractive, um dos clássicos da marca, com a assinatura da atriz global Deborah Secco. Apesar de ter apenas três meses de lançada, o e-commerce da empresa já acusa o produto como um dos mais procurados do site.

Inseridos no melhor dos cenários
Em termos de qualidade, a entrada de grandes marcas internacionais de perfumes no mercado brasileiro só vem agregar. Com um consumidor com um olhar mais treinado e exigente, os players nacionais têm que se esforçar para conseguir acompanhar o pique de seus concorrentes estrangeiros.

Porém, o aumento da competitividade no setor só deve servir de estímulo e motivação para os fabricantes nacionais. Apesar do fato das fragrâncias internacionais esbanjarem glamour e serem amplamente desejadas por um público que tem mais dinheiro e crédito, as empresas nacionais de perfumaria gozam de um prestígio enorme junto às consumidoras locais, além de conhecerem o seu mercado e falarem diretamente com um público com quem possuem intimidade, ao contrário das marcas estrangeiras que conversam com elas de maneira mais “global”. “As marcas nacionais conhecem a brasileira desde sempre. Elas entendem o que a gente tem realmente no nosso DNA, e criaram uma relação de carinho e respeito com a consumidora brasileira”, afirma Cris Duarte.

Já Sul Chul Kim, diretor da Opaque Parfums e Cosmétiques, lembra que as marcas brasileiras também possuem a vantagem competitiva de serem mais baratas e acessíveis, enquanto as marcas internacionais sofrem com os problemas derivados da importação: “As marcas nacionais estão bem mais competitivas mas, principalmente, pelos custos de importação. Os produtos brasileiros têm uma qualidade bastante interessante, mas com um posicionamento de preço muito mais baixo”, observa Kim.
Tudo isso junto reafirma o fato inquestionável de que a perfumaria brasileira vive um grande momento, no qual diversos aspectos positivos convergem e transformam o País num dos mercados mais atraentes para os investidores, tanto nacionais quanto internacionais. Com isso, cada vez mais empresas se aventuram nessa categoria com muito êxito, pois existe demanda para isso. Entretanto, a chave do sucesso está no investimento para conseguir acompanhar essa nova consumidora mais exigente e ávida por sofisticação, oferecendo qualidade, refinamento e, ainda, preço justo.
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