Perfumaria: Resultados multifacetados

Perfumaria: Resultados multifacetados

Os números da perfumaria no Brasil, ao contrário do resto do mundo, vão bem. A força da venda direta, a concentração de mercado e a forma como o mundo e o Brasil se relacionam com as fragrâncias ajudam a explicar esse fenômeno 

 

Quando a pandemia chegou com tudo ao Ocidente e obrigou cidadãos da Europa e das Américas ao confinamento forçado, as expectativas sobre o impacto da crise para o mercado de beleza foram se proliferando num ritmo frenético. Um ponto comum na abordagem de todas as consultorias de informação e tendências era que a categoria de perfumaria (ao lado da de maquiagem) seria a mais afetada.

Os motivos para isso são relativamente óbvios. Ambas as categorias tem seu uso muito atrelado a situações sociais e de trabalho. O uso mandatório de máscaras também teve efeitos adversos sobre a categoria de perfumaria. 

O fechamento do varejo físico e do travel retail – canal extremamente relevante para a perfumaria no mundo – particularmente para empresas europeias, foi outro ponto de abalo para a categoria.

A soma desses fatores se fez sentir nos resultados das empresas já no primeiro trimestre do ano, com um baque ainda mais forte no segundo. A L’Oréal, que tem em seu portfólio de fragrâncias nomes como Lancôme, Armani, Yves Saint Laurent e Thierry Mugler, estimou uma queda de 26% para o mercado de perfumaria no primeiro semestre do ano.

Na casa de fragrâncias germânica Symrise, as vendas de fine fragrances vinham crescendo dois dígitos ao ano desde 2016. A operação até conseguiu sustentar os bons números no primeiro trimestre deste ano, mas já em abril sentiu um grande impacto nas suas vendas. Na rival suíça Givaudan, as vendas de fine fragrances caíram 11.3%, enquanto na norte-americana IFF, mesmo com uma melhora nas vendas do terceiro trimestre, a queda se encontra ao redor dos 15%.

Uma relação diferente
Mas o impacto sobre a categoria não aconteceu de forma igual nas diferentes regiões.

A Givaudan viu suas venda de fine fragrances na América Latina crescer dois dígitos. “Olhando para o segundo trimestre, a América Latina foi, de longe, a região que menos sofreu”, explica Ricardo Omori, vice-presidente global de Fine Fragrances da Symrise. Para ele, isso pode ser explicado pela predominância do canal venda direta, que graças a sua natureza, seguiu em operação durante o período em que os varejos físicos para a venda de perfumes estavam fechados. A concentração da categoria em poucos players também foi um fator importante para a entrega dos bons números, isso porque nessa crise, a musculatura e a capacidade financeira fizeram muita diferença.  

Segundo maior mercado de perfumes do mundo, com consumo estimado em R$ 26,9 bilhões pela consultoria britânica Euromonitor, as expectativas para a perfumaria no Brasil no início da pandemia seguiam na mesma linha de outros mercados. “Em março e abril, todas as reuniões que eu fiz eram para cancelar pedidos ou pedir prorrogação de duplicatas”, lembra Renato Massara Jr., diretor de Marketing e Vendas da Wheaton, que domina o mercado de embalagens de vidros para perfumes no Brasil. O momento levou o executivo a fazer um novo plano de vendas bastante conservador, levando em conta as previsões que o mercado fazia. A Kantar Worldpanel falava em um bilhão a menos de ocasiões de uso para perfumes e maquiagens, um impacto e tanto. E os resultados de abril foram realmente péssimos. Mas, o que se viu, foi uma resiliência da categoria que não era esperada por nenhum instituto inicialmente. Em maio as coisas retomaram e já em junho a categoria dava sinais de estar voltado com tudo. A Wheaton, viu as vendas crescerem quase 20% em julho na comparação com o mesmo período do ano passado, acompanhando o bom momento da categoria, que avançou pouco mais de 20% em junho, segundo a Abihpec. 

Os bons números da categoria estão diretamente atrelados aos resultados dos grandes players desse negócio, e num primeiro momento, particularmente pela Natura. Por conta do processo de digitalização muito mais adiantado, a empresa de venda direta foi a primeira marca a puxar o crescimento da categoria, e em maio já havia revertido a queda de abril (considerando todas as categorias). 

A resiliência da categoria por aqui tem a ver muito com a forma como os brasileiros se relacionam com os perfumes. “Americanos, ingleses, alemães, chineses e até mesmo os franceses, gostam de perfume, mas os brasileiros amam. É diferente”, lembra Omori. Isso muda a relação com o produto.

No mundo inteiro, o que se discute hoje é a ressignificação do uso do perfume. Para a consultoria de tendências Beautystreams, num cenário no qual o papel social do perfume e sua própria razão de existência se tornam questionáveis, a fragrância tem mais a ver com funcionalidade, introspecção e com se sentir bem consigo mesmo. Algo que já é afeito ao consumidor brasileiro, mas nem tanto para o público da América do Norte e da Europa. 

Isso dá ao Brasil posição impar nesse sentido. ”O hábito de uso de perfume pelo brasileiro tem muito a ver com a busca por conforto”, conta Cesar Veiga, gerente de Inteligência Olfativa do Grupo Boticário. Por isso, mesmo com o uso de máscaras e encontros e reuniões virtuais, os brasileiros não deixaram de usar perfume. “Claro que o consumo é menor, mas não deixar de usá-lo é também uma forma de obter uma sensação de normalidade”, pontua o executivo da companhia paranaense. “Em pesquisas, ouvimos que, para os brasileiros, a perfumaria foi uma indulgência e autocuidado em um momento de tanta privação”, reforça a diretora de Perfumaria da Natura, Denise Coutinho. 

Ainda que no geral, o resultado tenha sido bastante majorado pelos bons números das duas gigantes, ao menos nesse momento, outros players também avançam.

No ainda pequeno, mas crescente mercado de distribuição seletiva no Brasil, os resultados também mostraram uma recuperação consistente da categoria. Segundo a L’Oréal, o mercado de perfumes seletivos no Brasil já retornou ao território do crescimento, de 3% até setembro. Diretora de Marketing da Divisão de Luxo da gigante francesa, Sabrina Zanker, também está entre as que acreditam que os bons resultados foram sustentados pela relação dos brasileiros com as fragrâncias, que os levou a manter o hábito de se perfumar mesmo em casa. “O uso da fragrância para impactar outra pessoa foi ressignificado para uma busca por mudança de humor, conforto e qualidade de vida”, acredita Sabrina, para quem a perfumaria passou a funcionar quase que uma aromaterapia para muitos consumidores. “Depois que eu passo um perfume me sinto mais enérgico, meu humor muda”, acredita a diretora da L’Oréal.

Na importadora BR Brands, que distribui no Brasil os perfumes da marca La Riva e compete na faixa de entrada do mercado, com perfumes na casa dos oitenta, noventa reais, as vendas também caminham para suplantar os números que eram esperados para antes da pandemia. A forte presença da marca no mercado online desde antes da pandemia favoreceu a posição da empresa no mercado, bem como o ticket baixo. “Entendo que tivemos uma reinvenção, com muitos clientes que só operavam lojas físicas se ajustando num modelo de venda digital”, explica a diretora da empresa Ivana Menezes. Segundo ela, desde maio que os negócios crescem num ritmo forte. 

A importância do presente
A relação dos brasileiros com os perfumes faz com que eles sejam, também, sempre ótimas opções de presentes. Ainda mais nesse momento no qual existe uma natural nostalgia em relação a muito do que a pandemia nos tirou. “A perfumaria é uma categoria muito emocional e os cheiros ajudam a lembrar de momentos felizes. As pessoas usam as fragrâncias para reaverem uma sensação de estar ao ar livre ou com pessoas queridas que não podem estar juntos no momento”, acredita Cesar Veiga, do Boticário.

As vendas nos dias das mães, em maio, seguida pelas realizadas para o dia dos namorados, em junho, foram um ponto de inflexão e fundamentais na consolidação da retomada da categoria. Especialmente com o advento das vendas online, presentear com perfumes foi a opção escolhida por muitos consumidores. Em O Boticário, Veiga diz que tanto os lançamentos para os dias das mães quanto para namorados tiveram boa aceitação do público. “Para o mercado seletivo as datas são muito importantes e no mercado online, perfume foi o item mais desejado como presente no dia das mães”, lembra Sabrina.

Em meio a essa empolgação, as expectativas para o natal são boas. Sabrina, lembra que as vendas para as festas respondem por cerca de 15% do sell out do ano. Ivana, também está confiante. “Em abril, pensamos em reduzir o nosso plano para o final do ano em 20%. Mas com os resultados de maio até agosto, reforçamos as nossas previsões e incrementamos os pedidos, para não correr o risco de entrar 2021 sem produtos no estoque”, diz a diretora da BR Brands.

A força do canal 
Se o gosto do brasileiro por perfumes explica parte da resiliência da categoria aqui ao sul do Equador, não se pode ignorar que a preponderância da venda direta como canal de vendas para perfumes no Brasil, algo sem paralelo nos grandes mercados de perfumaria mundiais, foi um importante fator para entender o crescimento das vendas. Segundo Denise (e como explicado na divulgação de resultados da Natura&Co), a Natura sentiu menos a perda de penetração em fragrâncias durante a pandemia, em função da resiliência do modelo de venda por relações, agora impulsionado pelos canais digitais.

A venda direta serviu como um ponto de oportunidade para as pessoas complementarem seu orçamento, como costuma acontecer em crises que afetam renda e emprego no Brasil. Com as pessoas isoladas, o canal também atraiu empreendedores informais, como os camelôs, que não tinham público para quem vender nas ruas e centros de comércio popular, enquanto os revendedores de venda direta não tiveram qualquer restrição para operar já que apesar dos pedidos de distanciamento e isolamento, o Brasil não enfrentou um lockdow. Ainda nesse contexto, o canal também se vale também do fato de ser uma venda emocional. Muitas vezes, uma compra é feita, antes de tudo, para ajudar a alguém próximo. Não se pode ignorar a força disso e o quanto essa compra para ajudar um parente ou um amigo favorece o crescimento do canal.

Terceira empresa no ranking da perfumaria nacional em valor, atrás apenas de Natura e O Boticário, a Hinode viu seus perfumes vender 70% a mais durante os meses da pandemia. Para a VP de Inovação de Produtos e Branding do Grupo Hinode, Erica Pagano, isso está muito ligado à força do canal de vendas da empresa, que seguiu crescendo nos meses de pandemia. “Foi uma surpresa!”, reconhece a executiva. 

Com as franquias fechadas (na Hinode, os consultores se abastecem em franquias que funcionam como minicentros de distribuição e experimentação dos produtos da marca), a empresa precisou criar novas formas para manter o canal abastecido, o que tornou mais importante as ferramentas digitais e de e-commerce.

Números do Grupo Hinode comprovam a importância do serviço, já que a implementação do take away e delivery nas 400 franquias da empresa foi responsável por agilizar a retirada de produtos por seus consultores, contabilizando no terceiro trimestre o montante de 79,5 mil pedidos, representando 5,2% do volume de vendas.A importância dos revendedores é tamanha para a Hinode que todos os investimentos no período foram no sentido de sustentar a rede e os consultores, seja por meio de campanhas especiais, seja pelos investimentos para melhorar a experiência de uso das ferramentas digitais disponibilizadas para a força de vendas se digitalizar.

Novidade ou porto seguro?
Outro ponto de inflexão marcado pelo dia das mães é a movimentação dos lançamentos. Existia uma interrogação entre as marcas, sobre como um consumidor inseguro responderia ao lançamento de novos perfumes. Ao que tudo indica, os consumidores estão abertos ao novo. Novidades como o novo Lily, Egeo Good Vibes e Coffee Senses foram bem aceitos pelo consumidor segundo Cesar Veiga.

Operando no multinível e tendo a tríade de consumo consciente, revenda e empreendedorismo, como base de recrutamento, a Hinode viu uma aceleração nas vendas dos seus perfumes mais vendidos, especialmente nas franquias Empire, Grace e Latitude. Erica explica que como o trabalho de formação é um dos pilares de sustentação da rede, as pessoas vão treinar quem entra com base no que ele já conhece e sabe que funciona.

Levando em conta o que a vidraria vem produzindo, Massara, da Wheaton, também não vê uma grande mudança de mix de produtos vendidos. Mas os lançamentos retomaram a normalidade, sendo que alguns explodiram de vender indo além das expectativas iniciais, segundo ele.

Na divisão de Luxo da L’Oréal, Sabrina conta que num primeiro momento, consumidor ficou mais conservador em relação as suas escolhas – o que fez as vendas do La Vie Est Belle, de Lancôme, crescerem como nunca desde maio. Na medida em que os meses foram passando a executiva diz ter visto crescer a busca por novidades, principalmente pelos grandes lançamentos. No caso da L’Oréal, especialmente o Libre, a nova fragrância feminina de Yves Saint Laurent. Nesse movimento entre as grandes novidades e os “clássicos”, o meio do portfólio, aqueles produtos que não são campeões de venda nem são novidade, perderam força.

O mercado vai seguir bom pra todo mundo?
No hemisfério norte, embora as vendas tenham voltado a crescer com a reabertura das lojas, as expectativas para uma retomada das vendas de fragrâncias estão alinhadas com o que esperavam os institutos de pesquisa. Ou seja, pelo menos até 2021 o cenário deverá ser bastante duro por lá, mesmo para segmentos que vinham crescendo de forma acelerada, como as marcas de nicho, bastante impactadas pela atual conjuntura. Não se espera também uma volta do público aos aeroportos nos níveis pré-pandemia antes de 2022, o que deve tornar a recuperação de muitas marcas europeias seletivas ainda mais dura. Nos Estados Unidos, muitas redes de lojas de departamento – que já sofriam bastante com as mudanças do mercado – estão fechando lojas e nomes importantes para a venda de perfumes de luxo, como a Neimann Marcus, entraram em recuperação judicial. Projeções da Euromonitor apontavam para uma queda de 8% no negócio global de fragrâncias neste ano. Até 2024, o crescimento anualizado da categoria deve ser de apenas 0,1%.

Aqui no Brasil, se hoje as vendas da categoria têm sido surpreendentemente positivas em várias frentes, não se pode ignorar que o momento ainda é de muitas incertezas. O mais provável é que tenhamos de enfrentar uma crise de renda e emprego no horizonte próximo. E a categoria de perfumaria, dentro do mercado de beleza, é das mais dependentes do humor e do bolso dos consumidores. Isso significa que as vendas de perfumes nos meses por vir enfraquecerão? Não necessariamente. Mas canal e, principalmente, musculatura financeira, capacidade operacional e de gestão farão muita diferença. Num mercado extremamente concentrado, quem já tem muito deve ganhar ainda mais. “O que estamos vendo este ano é uma clara concentração de market share na América Latina. Os grandes ficaram ainda maiores”, pontua Omori, da Symrise.

Os problemas de ruptura em vários segmentos da cadeia de abastecimento da perfumaria, com enfase em materiais de embalagem como válvulas pump, papel cartão (para os cartuchos) e mesmo embalagens de vidro, deve tornar a vida das grandes companhias difíceis e a das pequenas e médias empresas ainda mais, uma vez que muitos desses atores não tem volume e força suficiente para brigar pela disponibilidade desses materiais nas linhas de produção dos grandes fornecedores, afora o fato de que muitos deles se abastecem em distribuidores, o que os deixa com menos poder de negociação neste momento. 

Diretor Comercial da casa de fragrâncias Cramer, que atende clientes de pequeno e médio porte na categoria de perfumaria fina, Michel Ulhoa, vê um cenário diferente para o ano, justamente pelo perfil de clientes atendidos. “Nossos clientes de perfumaria fina estão se recuperando, mas ainda não são os números que eles haviam projetado. Ao menos nessa categoria, eles não acreditam num ano muito bom”, reforça o executivo. No final de 2019, a casa deu início a um trabalho para crescer justamente na categoria de perfumaria, identificando os principais atores do mercado e apresentando planos de trabalho exclusivos para cada um deles.

Caso a crise que se avizinha realmente chegue, será preciso manter o portfólio bastante promocionado, o que já vinha acontecendo de forma mais intensa desde 2016. Isso cobra um custo em margem das empresas que, pelo outro lado, tem de lidar com uma pressão inflacionária e cambial, que impacta diretamente na formação de custos dos produtos. Cotado abaixo dos R$ 4,10 em dezembro de 2019, a moeda norte-americana, exceto por alguns poucos dias no início de junho não esteve abaixo dos R$ 5 desde o início da pandemia. Em meados de outubro a cotação girava ao redor dos R$ 5,5. As casas de fragrâncias podem absorver parte do aumento, mas a outra acaba impactando direto no custo de fabricação dos perfumes. Esse é mais um motivo que ajuda a explicar o porquê de as grandes empresas estarem crescendo e recuperando parte do espaço perdido para concorrentes menores nos últimos anos.

Por conta do modelo de negócios, a Hinode não tem nas promoções para o consumidor final uma ferramenta relevante. “Como nosso foco está muito na rede, concentramos as promoções e ações para pontuações especiais ali”, lembra Érica. Mas ela diz que para o ano que vem, um dos pontos de discussão na agenda da empresa é a questão sobre promocionar o portfólio. Embora olhe com atenção para todas as faixas de preço nas quais opera, o foco maior está sobre os produtos com preço de entrada. Recentemente a empresa apostou no lançamento de embalagens pocket, de 15 ml, respondendo a demanda por portabilidade e ampliando o acesso com uma oferta de perfumes que demanda menor desembolso.

Os perfumes de 15 ml ajudaram a alavancar as vendas da Amakha Paris, outra empresa de venda direta multinível, que iniciou as operações com seis fragrâncias e hoje vende cerca de dois milhões de unidades de mini perfumes por mês.

Na distribuição seletiva, as restrições para viagens internacionais tem gerado um impacto muito positivo para as vendas aqui no Brasil. “Temos informação que 58% dos brasileiros (que viajam) estavam acostumados a comprar seus perfumes no exterior. É um hábito do brasileiro’, conta Sabrina. Ela diz que a L’Oréal tem trabalhado para convencer esses global shoppers de que comprar localmente está mais barato e vale a pena.

Embora esses global shoppers representem volume pequeno de consumidores dentro do contexto da perfumaria no Brasil, eles não são desprezados nem pelas grandes marcas que vendem dezenas de milhões de fracos por ano. “Com a alta do dólar o mercado brasileiro leva vantagem. Ninguém está mais viajando para o exterior e acabam se voltando muito para o mercado nacional”, acredita Veiga, do Boticário. Para o avaliador, uma nova parcela de brasileiro começou a descobrir a qualidade da perfumaria nacional por meio dessa crise. “Isso os ajuda a entender que temos produtos acessíveis no Brasil, de alta qualidade“, reforça.

Transformação digital
Nascida poucos meses antes da chegada da pandemia no Brasil, a startup Amyi é uma marca nativa digital, que opera de forma direta com o consumidor por meio da sua plataforma de venda e comunicação online. Até aí nenhuma novidade. O mercado brasileiro viu o surgimento de um bom número de empresas que operam nesse modelo nos últimos tempos, caso de nomes como a Sallve, Creamy e a Happin Beauty. A única diferença é que a Amyi é uma empresa de perfumaria de nicho, o que torna a empreitada inédita em terras brasileiras. 

Uma das sócias da empresa, Larissa Mota, que trabalhou na Givaudan e liderou a perfumaria da Mary Kay na América Latina, acredita que o consumidor brasileiro busca e por inovação olfativa, rotas diferenciadas e a maior criatividade característica do universo da perfumaria de nicho. Mas com preços proibitivos, esses itens acabam ficando fora da realidade local. “Criamos a marca para trazer essa perfumaria de nicho para o Brasil, com qualidade comparável a perfumaria de nicho internacional”, explica a empreendedora. A escolha pelo modelo de negócios se deu, justamente, pela possibilidade que o formato de relacionamento e venda digital direta dá para a startup de oferecer seus produtos por um valor mais acessível, ao mesmo tempo em que oferece a marca o controle sobre o que Larissa diz ser outra grande dor do consumidor brasileiro: a experiência de compra. “Hoje, ele compra numa loja ou com uma revendedora. Só que o olfato satura. Depois do quarto, quinto perfume ela não diferencia mais nada”, conta. A necessidade de reinventar a forma de experimentar um perfume levou a marca a apostar numa experiência física, nascida a partir do ambiente digital: a Experiência Amyi. Concebida antes da pandemia, ela caiu como luva para o momento atual.

A Experiência Amyi consiste em um kit com as miniaturas das nove fragrâncias da marca e o acesso a uma plataforma online exclusiva para guiar o usuário na experiência. Ali ela conhece mais sobre cada fragrância, incluindo vídeos explicativos dos perfumistas responsáveis pela criação. Depois de entender e experimentar todas as fragrâncias, o consumidor pode optar pelo que realmente mais gostou e solicitá-lo no seu frasco original, sem precisar pagar mais nada por isso. As vendas de experiência respondem pela quase totalidade dos negócios da Amyi, que já atendeu mais de 1200 pedidos e gerou receitas de R$ 400 mil. Os números poderiam ser maiores não fosse uma quebra de estoque devido a vendas muito acima das expectativas. A empresa ficou 90 dias sem poder vender enquanto aguardava a regularização dos estoques. A Amyi acaba de receber um aporte de R$ 1 milhão de um grupo de investidores anjos e tem planos para realizar uma nova rodada de captação, de seed investments, no primeiro semestre de 2022.

O desafio de melhorar a experiência da perfumaria num mundo que além de mais digital, impõe restrições a experimentação nos pontos de venda, é um problema para empresas de todos os portes. Na divisão de Luxo da L’Oréal, muitos projetos têm sido desenvolvidos para quebrar a barreira do distanciamento e garantir a sensorialidade inerente ao negócio de fragrâncias. Além do atendimento personalizado por meio das Beauty Assistants digitais, foram criadas alavancas para permitir a experimentação dos produtos antes da compra, caso do “Buy and try” realizado com parceiros digitais. “É uma forma de incentivar a experimentação a distância, mantendo o nível de atendimento aliado à praticidade e a segurança de troca”, pontua Sabrina. 

O processo de transformação digital do mercado influenciou outros elementos além da experiência de compras. Um campo no qual o seu impacto também é muito sentido diz respeito forma como a história e os elementos da fragrância são apresentados para os consumidores. Particularmente em relação à transparência dos ingredientes.

Indiretamente, isso acaba tendo reflexos na forma como o produto é concebido, uma vez que esses elementos utilizados para contar a história precisam ser muito bem estabelecidos no mundo real. Isso é um dos motivos que tem levado as casas de fragrâncias a integrar sua cadeia de produção e de ingredientes naturais. Era algo que já vinha acontecendo com intensidade antes, mas que agora cumpre com outro papel: não só o de garantir o controle sobre o fornecimento, mas também a veracidade da história e a reputação das casas e das marcas dos seus clientes. “O processo de criação (da fragrância) é o mesmo. O que muda é que o consumidor quer saber mais dos bastidores. Antes ele comprava pelo impulso, hoje ele compra querendo mais informação. Quem é o perfumista que assina, se a empresa está cuidando do planeta, se o ingrediente é seguro”, diz Cesar Veiga. “O consumidor mudou. Ele está mais preocupado com a sustentabilidade e com os ingredientes dos seus produtos e todas as empresas atentam para isso”, conclui Sabrina, da L’Oréal.

Funcionalidade além do cheiro
Em evento realizado pela casa de fragrâncias Vollmens, Fernanda Pigatto, diretora da consultoria global de beleza Beautystreams, diz que a perfumaria entra numa nova era, que irá combinar o bem-estar – algo que não era foco no processo de construção de um perfume em seus aspectos olfativos e de mercado –, aliada a uma base científica que permita às composições exercerem papéis funcionais em relação ao humor e a saúde das consumidoras, e não apenas perfumar.

No cenário desenhado pela Beautystreams, as fragrâncias passam a perseguir um aspecto mais funcional, numa ligação mais próxima com a saúde e a medicina. “No desenvolvimento, os ingredientes deixam de ser pensados apenas a partir das suas propriedades olfativas, mas também das suas propriedades que podem gerar efeitos físicos e organolépticos nas pessoas”, pontua Fernanda Pigatto, diretora de Marketing da consultoria. 

“Em termos olfativos estamos sempre buscando um benefício mais funcional, como trazer boas memórias, boas vibrações”, revela Veiga. O uso da neurociência na criação de fragrâncias evoluiu e hoje ela é aplicada de forma efetiva. No Boticário, ainda antes da pandemia, o perfume Linda Felicidade foi o resultado de um trabalho de pesquisa aprofundado no qual, segundo o executivo, foi comprovado a atuação da fragrância em ativar certos sítios do cérebro atuando na felicidade. Mais recente, o Coffee Senses trouxe um acorde que estimula a atração. “Isso foi comprovado pela ciência, não é mais empírico. O campo da neurociência evoluiu bastante e isso nos dá subsidio para entender o funcionamento e suportar os claims.”, reforça Veiga, que deixa claro que ainda é o cheiro quem manda na escolha do perfume pelo consumidor, mas que o inconsciente torna mais importante atuarmos lá e com isso, entregamos um produto com benefício para o consumidor. Ele não vai comprar pelo beneficio, mas o organismo responde, reconhece aquilo e passa essa sensação – ativando áreas do cérebro.

Embora não consiga enxergar mudanças de caráter olfativo ainda, Erica, da Hinode, percebe um aumento na busca por um cuidado diário, algo mais na linha do bem-estar e do conforto que pode ocasionar uma mudança para o futuro. “Neste momento, trabalhamos num projeto que traz o emocional com a tecnologia e toda uma história em cima disso.”, diz a executiva da companhia de venda direta.

“O olfato é muito importante para o ser humano, uma conexão direta com as emoções e estamos num momento de saber lidar com as emoções”, lembra Larissa Mota, da Amyi, que nos primeiros momentos da pandemia abriu a plataforma de Experiência Amyi para todo mundo. “É uma reconexão com o olfato, buscar cheiros que tragam esse equilíbrio, que nos façam sentir bem e os consumidores passam a ter consciência de que cheiros e fragrâncias influenciam o seu estado”, reforça a empreendedora.

 

IMPACTOS OLFATIVOS

Afinal, passando a maior parte do tempo trancado em casa, os consumidores brasileiros optaram por fragrâncias mais leves? Essa foi uma das grandes questões do início da pandemia. Assim como se esperava uma redução no consumo pela redução de atividades sociais e de trabalho, acreditava-se também numa migração para fragrâncias mais leves.

Tendo realizado pesquisas com consumidores que sinalizavam para uma diminuição de uso de fragrâncias ou a adoção de perfumes mais frescos ou de concentração mais leve, a L’Oréal acreditou que poderia ver uma migração dos Eau De Parfums para os Eau De Toilettes e, até mesmo, para lavandas e águas de colônia. O que na prática, não aconteceu.

No Boticário, Cesar Veiga conta que as vendas de fragrâncias de perfil olfativo mais leve tiveram um aumento bem no começo da pandemia, mas que agora já se vê a retomada de fragrâncias com aromas mais robustos. 

Acostumada com a venda de fragrâncias mais fortes e doces no Nordeste, Ivana Menezes viu alguns perfumes de orientação olfativa cítrica performarem muito bem na região, o que levou a empresa a fazer algumas apostas em fragrâncias mais leves.

O experiente perfumista Olivier Paget, da casa de fragrâncias chilena Cramer, diz que o próprio tema do conforto, tão importante ao consumidor brasileiro, pode ser trabalhado de forma criativa. “Conforto e reconforto, como dizem os franceses, são oportunidades a serem exploradas, ainda mais num momento em que temos um pouco mais de tempo para pensar. Isso abre espaço para discutirmos mais, trabalharmos coisas esquecidas ou mesmo tentar coisas novas, que foram restringidas a perfumaria de nicho na Europa, mas que poderiam ser grandes novidades por aqui”, aposta Paget.

 

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