Trilha digital

Trilha digital
Os números comprovam que o varejo eletrônico cresce em participação no mercado com certa consistência. Mas, para um varejista especializado que ainda não se estabeleceu no mundo digital, qual o melhor momento de se lançar nesse canal?



É bem difícil discordar. Atualmente, praticamente tudo se interliga ao meio digital. Isso vale - e muito - quando tratamos da experiência de consumo, afinal, a internet tem permeado todos os elos do processo, desde a pesquisa por um produto, passando por comparação de preços e lojas, a própria compra em si e chegando até a possíveis reclamações ou elogios publicados na rede pós-aquisição, seja em canais específicos ou em redes sociais.

O e-commerce tem crescido no mundo inteiro, inclusive aqui no Brasil. E os números comprovam isso. Dados do Ebit, consultoria que audita o volume de transações no comércio eletrônico brasileiro, dão conta que este canal registrou receita de R$ 44,4 bilhões em 2016, equivalente a um crescimento nominal de 7,4%. A categoria "saúde, cosméticos e perfumaria" é uma das responsáveis por esse avanço. É verdade que a penetração do canal ainda é bastante baixa. Mas, ninguém nega que existem suficientes indicadores e indícios que sustentam um cenário de otimismo com o futuro do e-commerce aqui no Brasil.

É natural nesse contexto que as empresas venham enxergando - e não de hoje - esse canal como um "lugar obrigatório" para se estar. Para muitas marcas independentes ou startups, o e-commerce pode ser realmente a melhor opção (em muitos casos a única) para estabelecer um canal de vendas que permita oferecer seus produtos aos consumidores.

Mas existe um porém. Na verdade, alguns poréns. Que o e-commerce terá um peso mais relevante na venda de produtos de beleza nos próximos anos ninguém discute. Para quem iniciou no comércio eletrônico há algum tempo e conseguiu, ao longo desse período, entender a dinâmica do negócio e fazer os ajustes tanto no site quanto na operação ao longo dessa curva de aprendizado, faz todo o sentido seguir aperfeiçoando esta operação que, muito provavelmente, já conseguiu pagar os investimentos iniciais nele realizados, ainda que parcialmente.

Agora, para quem - independentemente dos motivos - ainda não fincou bandeira no mundo digital, a decisão de fazê-lo, ou melhor, de quando fazê-lo não é mais tão simples, ainda que a tendência de crescimento do e-commerce não será revertida até onde a vista alcança.

Esse é um dilema com o qual muitas redes varejistas especializados em beleza precisarão lidar nos próximos anos. Muitas das principais bandeiras do canal não dispõe hoje de uma loja virtual. Estamos falando de nomes fortíssimos como Bel Salvador, Mundo do Cabeleireiro, Iap!, Spasso e Shopping dos Cosméticos, todos com pelo menos mais de uma dezena de lojas que são referência em termos de execução. E é justamente na boa execução do varejo virtual que reside o grande desafio para esses varejistas.

Tiro certeiro
O primeiro deles é entender, com muita clareza, que a operação de um e-commerce é completamente diferente da operação de uma loja física. E essas diferenças se dão não apenas no front end da loja ou na interface do site. Elas aparecem muito antes de o consumidor ter qualquer contato com a varejista em qualquer plataforma.

A maior parte dos grandes varejistas do canal especializado entende isso. Na prática, seria preciso montar uma estrutura dedicada, com profissionais que conheçam dos meandros do varejo digital em diferentes aspectos da operação. Além disso é preciso investir em plataformas, ferramentas tecnológicas, publicidade online, estoques separados (que pode inclusive ter um volume de SKU´s maior do que o disponibilizado para a loja física), uma nova operação logística... Tudo isso custa dinheiro. Muito dinheiro. E é essa a realidade que se impõe aos varejistas de beleza, caso queiram se estabelecer no varejo digital. Agora, é necessário chegar para valer, sob uma plataforma que permita que esse varejista de fato possa ser um player relevante nesse canal em um relativo curto espaço de tempo. Caso contrário, a tendência é de sofrimento e perda de dinheiro. E há diversos exemplos de perfumarias que precisaram rever seu investimento no canal. "A grande questão do e-commerce é que as regras do jogo são diferentes - aliás, bem diferente - do que das lojas físicas. É preciso estar disposto a, mais do que investir, mergulhar em um negócio que é novo, que envolve tecnologia, logística, outro tipo de marketing, ou seja, são outros tipos de problemas", define o especialista em varejo Eduardo Terra, sócio-diretor da BTR Educação e Consultoria.

Um dos nomes mais tradicionais do varejo de beleza, a Ikesaki, viveu isso na prática. No meio do ano passado, a rede reformulou o seu e-commerce, que havia sido inaugurado em 2015. Além de implementar uma plataforma mais moderna, o e-commerce da bandeira passou a oferecer uma série de novos serviços. "A Ikesaki vem se renovando constantemente e acompanhando a evolução tecnológica, visto que nossos clientes também estão se modernizando, é uma evolução natural?, acredita Edilaine Godoi. A executiva, bastante experimentada no mundo do varejo digital, foi recrutada pela Ikesaki no ano passada como gerente de e-commerce com a missão de readequar a presença da empresa no varejo virtual. Nesse processo, o e-commerce é o pilar central, mas não a única aposta da varejista para se dar bem no novo ambiente. Por isso, a Ikesaki investiu também em outros canais de tecnologia, como blogs e mídias sociais. O mais novo serviço apresentado pela rede foi o ?Compre no Site e Retire na Loja". "Todo este processo, com forte viés omnichannel - focada na multicanalidade, permeando entre ambientes físicos e virtuais - atende ao novo comportamento dos usuários, que mesmo buscando por praticidade com a compra online não abre mão da experiência proporcionada dentro da loja", completa Edilaine.

Outra rede que viveu este processo foi a Danny Cosméticos, que conta com mais de dez lojas em cidades do interior de São Paulo. Mariella Scuro, gerente de Marketing da varejista com sede em Americana, relembra que a primeira loja virtual da rede foi lançada em 2012, porém, sem investimento em comunicação. Ela reconhece que, à época, a empresa não compreendia como atuar nesse mercado. "Com pouco tempo de existência, observamos que havíamos investido em uma plataforma que não seria competitiva no universo digital", lembra. Sendo assim, em 2015, a Danny migrou para uma nova plataforma na qual, segundo ela, encontraram toda a inteligência virtual que buscavam. "Desde então, estamos investindo mês após mês no crescimento do nosso e-commerce. Vale destacar que, desde o investimento na primeira plataforma da nossa loja virtual, observamos que ela também impulsiona os bons resultados da loja física, pois além de ser um outro canal de vendas para o consumidor, também é um meio de pesquisa e de divulgação dos produtos que comercializamos", celebra a executiva.

Quando o "velho" ainda dá frutos
No final das contas, o investimento para montar do zero um e-commerce capaz de oferecer uma experiência de compra adequada ao consumidor, de acordo com o que ele espera da sua marca, pode consumir tantos recursos quanto o necessário para abrir um novo ponto de venda físico. E, em muitos casos, a opção por mais uma loja de ?tijolos? pode ser mesmo a melhor opção para o varejista.

"Nosso negócio existe há 22 anos. Inaugurei meu e-commerce há quatro anos e, por conta das dificuldades, tive de deixar essa operação de lado para investir no varejo tradicional." O relato foi feito em fevereiro deste ano, durante um evento de Pós-NRF - grande evento global de varejo realizado nos Estados Unidos - organizado pela Beauty Fair, por Saymon Gonçalves Leite, sócio-proprietário da Casa do Cabeleireiro Della e Delle, rede de perfumarias fluminense, com três lojas no Rio de Janeiro e uma em Minas Gerais. Esta realidade ilustra bem o momento das perfumarias.

Embora muitos especialistas de varejo clamem pela presença imprescindível no e-commerce, e mesmo que as tendências do varejo, de uma maneira em geral, apontem para um caminho cada vez mais omnichannel, optar por injetar dinheiro no "velho" formato ao invés de iniciar uma longa jornada no e-commerce não deve ser visto, automaticamente, como algo anormal. Afinal, trata-se de investimento alto. Para quem tem boas lojas físicas, o e-commerce tem de ser visto como uma oportunidade e não como uma obrigatoriedade. "Não vejo nada de errado em priorizar investimentos no que está dando certo, desde que você tenha um bom plano de expansão. Muitas empresas têm capacidade de investimentos limitada e se ele percebe que tem possibilidade de crescer abrindo lojas físicas, não há nenhum problema", explica o especialista.

Foi essa a avaliação realizada pelos dirigentes da rede Spasso Cosméticos, com sede em Campinas (SP) e dona de quase 20 lojas pelo interior paulista. Ao longo dos últimos anos, o varejista optou por se dedicar exclusivamente aos pontos de venda físicos, modernizando suas lojas, sem deixar de olhar para o e-commerce. José Roberto Munhoz, diretor Comercial da perfumaria, reconhece que não há como evitar a entrada no meio digital, porém, montar o e-commerce e não agregar valores e diferenciais, segundo o dirigente, de nada acrescentará. "Temos visto muitas experiências mal sucedidas que caíram no vazio. Quem não tiver uma logística adequada, estoques confiáveis, comunicação de impacto, e um CRM (para gerir as relações e o entendimento do consumidor) que valoriza o consumidor, com certeza terá frustrada suas expectativas. Por isto mesmo que a Spasso Cosméticos vem integrando seus departamentos e avaliando informações e experiências. Quando ingressarmos no meio digital será para oferecer um serviço confiável e de qualidade", afirma.

Concorrentes "puro-sangue"
Fossem apenas os desafios internos os motivos dos desafios sobre entrar ou não no e-commerce, já seria uma decisão difícil. Mas é preciso ter em mente que, ao logo dos últimos anos, quem já estava no varejo digital evoluiu e muito. Especialmente os varejistas ?puro-sangue?, aqueles que já nasceram com foco no digital, ou, ao menos, enxergaram o potencial e abraçaram o canal com todas as suas forças. O desenvolvimento dessa turma não só torna mais alto o investimento necessário para quem quer entrar no e-commerce, como sobe bem a régua para quem tem planos para fazer um papel bonito no universo dos bits & bites.

É o caso da Beleza na Web, uma das líderes no segmento e vencedora do Troféu Atualidade Cosmética/Patrus de Melhor E-commerce de beleza em 2016. A empresa, que já soma uma década de história, possui um trabalho para lá de avançado o que faz dela uma referência em tecnologia não só no segmento de beleza, mas no e-commerce de forma geral. Com a experiência e o know-how que adquiriu, a companhia conta hoje com que há de mais avançado em termos de ferramentas tecnológicas, a fim de proporcionar uma experiência de compra significativa ao consumidor.  Alexandre Serodio, fundador da Beleza na Web, destaca que tecnologia é a espinha dorsal do negócio.

"Desenvolvemos nossa própria plataforma, o que gera a possibilidade de fazermos recomendações cada vez melhores e mais personalizadas para nossas clientes", diz. O investimento em tecnologia é constante e o seu desenvolvimento demanda uma visão de longo prazo. Mas Alexandre comemora o fato de que o trabalho da empresa já estar se destacando mundo afora. A Beleza na Web foi reconhecida pela Oracle (gigante global da área de tecnologia), com o Duke?s Award, graças a sua inovação no uso da plataforma Java para e-commerce. "Resumidamente, é a mesma tecnologia da Netflix", resume o fundador do e-commerce. Mas ele ressalta que a tecnologia é um meio para melhorar a experiência e não um fim. ?O pessoal acha que a ferramenta solucionará o problema, quando na verdade é a engenharia e uma ótima equipe que irá gerar uma vantagem competitiva?, compara. O executivo acredita que todos os varejistas especializados em beleza podem estar no e-commerce valendo-se de plataformas prontas e gerando uma receita interessante. Mas para crescer realmente é preciso investir em tecnologias próprias ou customizadas e que para isso "se pagar" é necessário muita escala, algo que segundo ele é coisa rara no canal.

Com um faturamento anual beirando os R$ 200 milhões, o Beleza na Web decidiu fazer uma aposta ousada neste ano, tomando o "caminho contrário" no varejo, ou seja, indo do digital para o físico. Para Alexandre, a nova loja - localizada no bairro de Moema, na cidade de São Paulo - tem o objetivo de trabalhar a marca. ?Unimos produto com serviço para gerar uma experiência?, diz. Enquanto muitos varejistas especializados tem como ambição levar a experiência de suas lojas físicas para a web, a Beleza na Web fez justamente o inverso. "Toda navegação na loja segue o digital, os preços são expostos através de realidade aumentada (pelo app) e o visual merchandising é exatamente o mesmo do online, como as campanhas de ativação de vendas. Juntamos a possibilidade de tocar, experimentar e compartilhar a experiência. O espaço serve para eventos e todas as influenciadoras estão convidadas a usar nosso espaço", conta Alexandre. Outra novidade do espaço físico da Beleza na Web é o W basic, uma versão menor de um salão da rede Studio W, do cabeleireiro Wanderley Nunes.

Outro ator de grande relevância no mundo digital é a paranaense Sépha, que vem de uma longa tradição na distribuição seletiva e, ainda hoje, mantém seis lojas no Paraná e Santa Catarina. Mas foi ao abraçar o meio digital que a Sépha explodiu. A varejista foi uma das pioneiras ao enxergar o potencial da web como um canal de vendas para a distribuição seletiva, justamente num momento em que o mercado de cosméticos e perfumes de luxo questionava demais sobre o papel do e-commerce para o negócio. Hoje, a Sépha possui uma das melhores e mais bem executadas operações de web do mercado de beleza. Ricardo Cabianca, diretor de e-commerce da empresa, destaca que o que faz um varejista do ambiente físico ter sucesso no ambiente online é entender o propósito e o princípio da marca. "Apesar de no ambiente online não haver o contato corpo a corpo, temos de entender o comportamento do consumidor nesse ambiente, mas sobretudo, conseguir traduzir em ações e estratégias que além de atender aos desejos e necessidades destes consumidores, passem a real imagem que sua empresa constrói sobre a marca. Do nosso lado, não medimos esforços para apresentar conteúdos relevantes, atendimento com excelência, entregas bem feitas inclusive no detalhe da embalagem, transparência nas informações com os consumidores, etc", enfatiza.

Diante da tendência do omnichannel, há quem diga que os canais não devam concorrer entre si, mas sim se complementar. Entretanto, a concorrência, segundo Eduardo Terra, naturalmente ocorre. Se um canal está crescendo - caso do e-commerce -, ele tomará espaço de outro. Para o especialista isso tem acontecido no Brasil ainda de forma tímida, porém crescente. Já em mercados mais desenvolvidos, nos quais o varejo eletrônico é mais avançado, o varejo físico vem perdendo, de fato, espaço para o digital. Terra considera um exagero falar que o varejo físico acabará, mas diz que também não é correto apontar que o e-commerce não está roubando espaço. "O e-commerce na China já responde por 20% do varejo, na Inglaterra por 18% e nos Estados Unidos por 10% das vendas. Aqui no Brasil esse percentual é de 3%, no geral. Quando você analisa a categoria de Informática isoladamente, por exemplo, o share do varejo digital alcança 36% no Brasil. Então, se você têm 36% de um mercado no varejo digital, obviamente que lojas que vendiam produtos de informática, livros e eletrônicos fecharam. São segmentos nos quais já falamos de uma participação de dois dígitos. Já quando olhamos para perfumarias e medicamentos, esse número ainda é muito pequeno. Então a gente não percebe num curto prazo fechamento de lojas por conta disso no Brasil. Mas em outros países isso já acontece", pontua Eduardo Terra.

Ao que tudo indica, em algum momento no futuro, ficar de fora do comércio digital não será uma opção. O que torna a decisão sobre o momento certo para quem ainda não entrou, validar os investimentos para se estabelecer no e-commerce ainda mais delicada. E crucial.
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