A profusão de claims "livre de" nos lançamentos da indústria
cosmética deve ser olhado com atenção e cuidado pelo mercado, tanto do
ponto de vista da segurança cosmética quanto em relação ao consumidor
Muitas
dessas matérias-primas têm estado sobre reavaliação, submetidas a novos
processos de investigação e análise disponíveis. Em alguns casos,
ingredientes tradicionalmente usados pelo mercado de beleza, têm sido
apontados como produtos com algum grau de potencial carcinogênico quando
utilizados em grandes quantidades ou com um nível de exposição muito
elevado. Uma vez que o risco é apontado, tem se início um processo de
revisão do uso dessa matéria-prima, que passa a ser proibida para todos,
ou para alguns usos, como a aplicação em fórmulas de produtos não
enxaguáveis, como cremes para a pele. Isso faz com que muitas empresas
já comecem a se movimentar para retirar esse ingrediente das suas
fórmulas. Mas, de fato, até que essas restrições sejam incorporadas à
legislação e tenham que ser banidos de determinadas fórmulas existe um
longo caminho a percorrer. Isso é uma coisa.
Para
Maria Inês Harris (na foto abaixo), especialista em cosmetovigilância e
diretora-executiva do Instituto Harris, que atua na área de avaliação de
segurança de cosméticos, existem situações e situações, mas, muitas
vezes, essas ondas contra determinados ingredientes são, na verdade, um
desserviço. "Tentamos educar o consumidor para que ele possa escolher
produtos que passaram por um processo de avaliação sério. Se a empresa
trabalha corretamente com um ingrediente, é possível estabelecer
condições de uso adequadas, que não oferecem riscos nem ao consumidor e
nem ao meio ambiente", diz a especialista. O caso do parabeno é dos mais
emblemáticos. Considerado um dos novos vilões do mercado, o parabeno é
um conservante ainda largamente utilizado pela indústria, e que,
conforme mostram os estudos, apresenta potencial para gerar doenças como
câncer de mama, melanoma e afetar a fertilidade quando aplicados em
doses muito altas (que é o que acontece nesses testes), algo que não
ocorre com o seu uso em formulações cosméticas, que aplica doses muito
mais baixas. Entretanto, nessa nova conjuntura, a especialista acredita
que as pessoas não se posicionam adequadamente. "Falam contra o
parabeno, mas compram um produto feito não se sabe onde, sem nenhum
controle ou garantia de segurança", lamenta. ?Não acho que seja serviço
para ninguém você ficar 'livre disso, livre daquilo'", reforça Maria
Ines, para quem cria-se uma ilusão que leva as pessoas a pensarem que
estão comprando um produto mais seguro só porque ele é 'free from' disso
ou daquilo, quando na verdade, esse produto pode não ter sequer passado
por uma avaliação de segurança.
O papel da indústria
Talvez o aspecto mais importante a ser observado, é que a influência exercida por diferentes agentes (influenciadores, celebridades e sub-celebridades) nas redes sociais é um dado da realidade. Goste-se ou não, fato é que os consumidores são influenciáveis e o efeito manada gerado por comentários de alguns influenciadores digitais e mesmo por outros consumidores não pode ser ignorado.
Por outro lado, não é
fácil desmentir e fazer com que as pessoas acreditem em algo que é
diametralmente oposto a verdade que o consumidor já incorporou. E não
importa se essa verdade vale menos do que uma nota de R$ 3. Mas a
especialista reconhece que há um amadurecimento do mercado. "Vemos que
algumas empresas começam a tentar comunicar, a explicar alguma coisa
(sobre ingredientes e segurança para os consumidores)", pontua.
Maria Inês vê uma curva de
aprendizado nesse processo. "Tivemos um momento no qual aparecia uma
onda dessas e todo mundo se calava e dizia: 'vamos atender a demanda do
consumidor'", diz ela. A especialista acredita que o próprio caso
envolvendo os parabenos e os seus reflexos para a indústria e a
população serviu como um ponto de inflexão. "(Os parabenos) eram
ingredientes usados na indústria cosmética numa quantidade de exposição
ao consumidor muito abaixo de qualquer dose que poderá provocar qualquer
tipo de efeito colateral. Nesse processo, passou-se a utilizar
ingredientes muito mais perigosos, levando a uma epidemia de alergia por
conta desses outros conservantes, como o CMIT/MIT", afirma Maria Inês
Harris, que acredita que os envolvidos esperaram muito tempo para fazer
alguma ação, o que levou a situação a tomar um vulto muito grande. "Por
outro lado, é importante um comprometimento e a própria empresa às vezes
não quer se manifestar. É uma situação às vezes crítica porque você
está produzindo um material e começa uma onda contra aquele material. Às
vezes, me pergunto: 'de onde veio isso?', porque são acusações muito
fortes. Você está quieto ali e chega uma onda dessas que não têm nem pé
nem cabeça. Usam da vulnerabilidade, da imaginação da população para se
promover, para produzir mais rótulos, cobrando mais caro porque trazem
uma nova tecnologia, uma patente diferente, aí eles vão valorizar",
explica. "Não estou criticando o desconhecimento da população em geral,
mas é uma histeria coletiva e tem gente que se beneficia disso", conclui
Maria Inês.
O papel dos fornecedores
As indústrias de matéria-prima obviamente estão na raiz da questão. Um dos grandes campos de disputa nessa questão de cosmetovigilância, trata de uma série de preservantes tradicionais da indústria tendo seu uso restrito ou mesmo proibido na Europa e muitas coisas aqui no Brasil também. Isso gera um conflito de interesses entre quem produz preservantes tradicionais frente a outras possibilidades mais modernas, mais seguras em vários aspectos porque já evoluíram. Realmente, o mercado de matérias-primas tem conflito de interesses violentos. Uma empresa com uma linha de produção inteira numa planta que produz uma matéria-prima x vai defender aquilo com unhas e dentes; mas, por outro lado, esse mesmo fabricante sofre uma pressão por inovação constante. "As próprias indústrias usam um pouco dessas ondas de crítica a um produto, para inovar e valorizar seus novos ingredientes, que já respondem a essa demanda mais moderna", acredita Maria Inês.
Os
reguladores globais da indústria cosmética - União Europeia à frente -
vem apertando mais e mais a lista de ingredientes passíveis de uso em
formulações de produtos de higiene pessoal e beleza. É um movimento que
está baseado em novos estudos e na análise de reports feitos às
autoridades locais sobre casos de intoxicação ou alergias geradas pelo
uso de determinados ingredientes presentes em fórmulas cosméticas.
Apesar de acarretar sempre um grande impacto para os fabricantes, não se
tratam de processos intempestivos, fruto das vontades de uns ou de
outros. Embora muitas medidas sejam questionadas pela indústria nos
bastidores, elas têm como premissa única aperfeiçoar a segurança dos
consumidores no uso de produtos cosméticos e, mais recentemente, levar
em conta o impacto ambiental que esses ingredientes geram.
Outra,
bem diferente, mas tão impactante quanto, é o movimento que vem de
influenciadores digitais que advogam pelo uso de produtos livre de
algum, ou de alguns ingredientes gerando ondas que se refletem
diretamente nos consumidores "guiados" pelas redes sociais. É como se as
pessoas, de uma hora para a outra, acreditassem que o uso de produtos
cosméticos devidamente testados e aprovados pelos órgãos reguladores
pertinentes é maléfico para a sua saúde e à sua beleza. Sem ter todas as
informações necessárias, muita gente entra nessas ondas sem qualquer
questionamento sobre se as informações que circulam realmente procedem.
Mesmo que a informação esteja muito mais acessível e que, cada vez mais,
os consumidores estejam interessados em entender o que eles aplicam na
sua pele ou nos seus cabelos, na prática, o real conhecimento sobre os
ingredientes (e a ação deles) numa formulação é bastante restrito para
as massas e mesmo entre os digital influencers.
O papel da indústria
Talvez o aspecto mais importante a ser observado, é que a influência exercida por diferentes agentes (influenciadores, celebridades e sub-celebridades) nas redes sociais é um dado da realidade. Goste-se ou não, fato é que os consumidores são influenciáveis e o efeito manada gerado por comentários de alguns influenciadores digitais e mesmo por outros consumidores não pode ser ignorado.
Conduzida
pela plataforma de mídia Teads, em parceria com a Global Web Index, a
pesquisa "Novas Faces: Estudo Sobre Beleza & Cuidados com a Pele"
buscou compreender o comportamento de compra, preferências dos produtos e
motivações do público feminino ao consumir produtos de beleza e
cuidados com a pele. O levantamento ouviu aproximadamente cinco mil
mulheres em oito países, entre eles o Brasil, e revela dados
comportamentais relevantes, como o fato de que 83% das entrevistadas que
se encaixam na Geração Z (16 a 20 anos) encontram novos itens
principalmente por meio das análises de outras consumidoras no ambiente
on-line.
Ao mesmo tempo, o levantamento
constatou que, contrariando a tendência do aumento do número de
profissionais que atuam com marketing de influência, somente 30% das
brasileiras pesquisadas utilizam influenciadores digitais como fontes
para a descoberta de novidades em beleza e produtos para a pele. Para
elas, fatores como preço (77%), adequação ao tipo de pele (72%) e prova
científica de resultados positivos (51%) são os principais motivadores
para a compra.
Frente a dados que demonstram
que os mecanismos de influência e decisão de compra de um produto de
beleza são difusos, mas que a opinião de um influenciador não é mais
relevante do que a prova científica de eficácia do produto, é preciso
fazer uma questão: qual deve ser o papel da indústria na abordagem de
mitos que surgem nas redes sociais?
A
resposta não é simples, nem objetiva. De um lado, a legislação permite o
uso desses produtos, o que, de certa forma, garante a sua segurança,
ainda que já existam no mercado alternativas mais seguras e modernas.
"Trocar um conservante, por exemplo, implica em refazer toda a avaliação
de segurança da fórmula, testar novamente a estabilidade. É como se
fosse um desenvolvimento novo e nem todas as empresas têm uma habilidade
muito grande para realizar um processo desses rapidamente", acredita
Maria Inês. Isso é um ponto muito mais relevante do que o eventual custo
superior de ingredientes mais modernos, que vêm em substituição aos que
precisam ser substituídos por motivos regulatórios ou para responder a
pressão das redes sociais.
A
indústria tem a capacidade e os recursos para educar o consumidor e
tentar desfazer certos mitos. Em determinadas situações, como aquelas
que realmente não tem pé nem cabeça - as que diziam respeito ao
silicone, classificando o ativo de origem mineral como um petrolato, o
que o fez um inimigo dos regimes de tratamento de cabelos das cacheadas -
poderiam ser alvo de uma ação das empresas no sentido de educar as
influenciadoras. As próprias empresas de matérias-primas com
ingredientes atacadas de forma totalmente equivocada poderiam se
movimentar e buscar formas para fazer com que a informação, de alguma
forma, chegasse até influenciadores e consumidores. Mas, esse é um dos
grandes problemas que as indústrias de alguma forma atingida por falsos
mitos apresentam em relação a esse item. Elas reclamam da falta de
conhecimento, mas pouco tem feito para mudar isso.
Mas,
também é verdade que a aparição desses mitos gera oportunidades de
mercado que podem catapultar novas empresas a posições mais altas no
mercado. Existem indústrias que enxergam nesses mitos a possibilidade de
ganhar espaço com produtos que ofereçam a solução, do ponto de vista de
marca e formulação, aos produtos tradicionais afetados pelo mito.
Quando feito também seguindo todas as regras de segurança cosmética e a
legislação vigente, é um movimento legítimo, ainda que em alguns casos,
para se promover, essas indústrias acabem por reforçar alguns mitos.
Mas, as pequenas empresas que em geral acabam respondendo a essas "novas
demandas" não tem muito a perder, elas são as marcas desafiantes.
Agora, no caso das grandes empresas, locais e multinacionais, entrar na
onda ao invés de explicar e educar o consumidor, não seria um tiro no
pé? Estaria a indústria errando na abordagem em relação à segurança
cosmética?
As indústrias de matéria-prima obviamente estão na raiz da questão. Um dos grandes campos de disputa nessa questão de cosmetovigilância, trata de uma série de preservantes tradicionais da indústria tendo seu uso restrito ou mesmo proibido na Europa e muitas coisas aqui no Brasil também. Isso gera um conflito de interesses entre quem produz preservantes tradicionais frente a outras possibilidades mais modernas, mais seguras em vários aspectos porque já evoluíram. Realmente, o mercado de matérias-primas tem conflito de interesses violentos. Uma empresa com uma linha de produção inteira numa planta que produz uma matéria-prima x vai defender aquilo com unhas e dentes; mas, por outro lado, esse mesmo fabricante sofre uma pressão por inovação constante. "As próprias indústrias usam um pouco dessas ondas de crítica a um produto, para inovar e valorizar seus novos ingredientes, que já respondem a essa demanda mais moderna", acredita Maria Inês.