Mercado consumidor negro - Realidade brasileira

Mercado consumidor negro - Realidade brasileira

A reportagem da revista Atualidade Cosmética conversou com Marco Lima, head de negócios na BAP, que apresentou a pesquisa Nossa Beleza, em junho de 2023, com dados sobre o mercado de cosméticos voltados para a população preta que reflitam a realidade brasileira, o Painel Bap entrevistou profissionais da indústria, empreendedores, varejistas e consumidores, unindo metodologias qualitativas e quantitativas. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

 

Embora  a população negra represente mais da metade da população brasileira, essa representatividade não se reflete nas prateleiras de produtos de higiene e beleza. Quando existem, os itens para peles e cabelos negros ainda compõem os chamados nichos. Por que isso acontece na sua visão?
Marcos Lima: Só acontece por conta do racismo direto e estrutural, que ao longo da história impediu as mentes pretas de adquirirem conhecimento de qualquer natureza. Então não temos muitas pessoas pretas trabalhando em pesquisa e desenvolvimento de produtos e tão pouco com o poder de decisão do que vai ou não ser produzido. Nesta questão, também é muito importante frisar sobre o racismo econômico ao qual as pessoas pretas são expostas quando buscam financiamento para os seus negócios. Muitas pessoas empreendedoras da área da beleza não conseguem chegar na gôndola com preço competitivo simplesmente por não terem acesso a recursos financeiros para alavancar a sua produção, recursos estes que são quase infinitos para outras pessoas empreendedoras. A crueldade do racismo atinge um ápice quando pessoas brancas determinam quais produtos pessoas pretas irão ou não adquirir – é realmente perverso.

Algumas pessoas colocam o peso da falta de opções para público negro na conta das dificuldades técnicas, mas será que pode ser mais uma decisão estratégica das fabricantes? 
Não acredito que seja aceitável o discurso de dificuldade técnica em 2023. A dificuldade para criar um produto para peles e cabelos não pretos é a mesma, a diferença está no investimento que é feito em uma linha ou outra. O que constatamos durante a pesquisa junto às indústrias de matérias-primas é que o maquinário para criar os produtos são os mesmos, então o esforço está no investimento em testes para validação da eficiência e eficácia dos produtos.

Na sua opinião, a indústria, em geral, ainda reluta em ampliar os seus painéis de testes para testar produtos em mais consumidores negros? 
Durante a produção da fase piloto da pesquisa “Nossa Beleza”, conversamos com alguns players da indústria e constatamos que ainda que se tenha algum esforço para mudança da mentalidade é necessário que se faça um investimento em tecnologia para que os testes produzam dados reais e confiáveis. Não adianta fazer teste de produtos voltados para pessoas pretas utilizando matrizes e guias de pessoas não pretas.

Qual é o desafio para as marcas em “segmentar” os consumidores negros?
Talvez o receio esteja em notar que, ao menos no Brasil, a venda de produtos específicos para corpos e cabelos pretos supere os números dos outros produtos. O que falariam? Como justificariam o movimento tão tardiamente? Entretanto, como eu costumo dizer: “Antes tarde do que mais tarde”. Neste contexto, o que se faz necessário é um empenho voltado para a reorganização do mix de produtos no portfólio, aliado a maiores investimentos em inteligência de mercado e no conhecimento destes consumidores. Este movimento superaria a desconexão atual entre os consumidores pretos e o mix de produtos disponibilizados. O universo dos corpos e cabelos pretos é amplo, existe uma infinidade de produtos que podem ser explorados nas mais diversas categorias. Veja o exemplo da De Benguela, que é uma indústria preta, ela tem um mix interessante de produtos nas mais diversas categorias para os mais variados tipos de cabelo.

Na mesma pesquisa “Nossa Beleza”, na qual evidenciamos a demanda por produtos feitos para pessoas pretas, um varejista afirmou durante a entrevista que o fato de não possuir produtos para pessoas pretas nas gôndolas, na categoria maquiagens, deve-se ao fato de peles retintas não precisarem de maquiagem. Entende como a voz do consumidor e a oferta de produtos específicos é ceifada por pessoas brancas baseadas em crenças racistas? E quais são os desafios de incorporar o consumidor negro nos portfólios ditos “premium” no setor de higiene e beleza?
De novo o racismo econômico, está sedimentado no imaginário que pessoas pretas não podem pagar por produtos básicos, quiçá produtos de categoria premium. Já realizamos estudos de inteligência de mercado e conhecimento do consumidor, como fazemos no Painel Bap, para diversos clientes nos mais variados setores da economia, que provam que as pessoas consumidoras não brancas estão ávidas por produtos e serviços pensados e criados para elas.

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